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- Com a queda do muro de Berlim, vicejou a teoria, em meio a certos
“pensadores” ocidentais – festejada e divulgada por diferentes grupos de
comunicação - de que chegáramos ao “fim da história”, com a imposição
definitiva do ideário neoliberal em um novo mundo, de permanente “Pax
Americana”. Nesse período, que durou até a chegada do novo milênio, o
Ocidente achou que poderia redividir o planeta e a Espanha alimentou,
baseada em sua súbita e artificial prosperidade, o sonho neocolonial de
promover nova reconquista no espaço geopolítico latino-americano.
Para
isso, a diplomacia e os ”think-tanks” espanhóis resgataram até mesmo um
velho termo, a “Íbero-américa”, um continente mítico que, começando nos
Pirineus, chegaria até a Terra do Fogo, englobando a Espanha, Portugal,
México, a América Central, e todos os países da América do Sul, até os
limites do Estreito de Magalhães.
Transformados,
de repente, em novos-ricos – esquecendo-se de que sua qualidade de vida
assim como o relativo poder de suas empresas advinha de bilhões de
euros em ajuda da União Européia para o desenvolvimento, repassada pela
França e a Alemanha; e de dinheiro barato, a juros baixíssimos,
emprestado a seus bancos pelo Banco Central Europeu - a Corte, os
banqueiros, os políticos neo-liberais espanhóis e os aventureiros de
ocasião se lançaram, com o ânimo de um Cortez, ao saqueio da América
Latina.
O
estrangulamento da maioria dos nossos países pela inflação – e por
dívidas questionáveis -, e a ausência de iguais condições de acesso a
crédito farto e barato por parte do nosso empresariado levou ao maior
processo de desnacionalização da história.
Um
processo que foi trágico para a iniciativa privada, com a entrega de
empresas centenárias e de sua tecnologia para estrangeiros como
aconteceu com a Metal Leve, do saudoso José Mindlin, por exemplo. Mas
que foi muito pior, e particularmente nefasto, no setor público, no qual
novos cruzados ibéricos como Emilio Botin, do Santander, Antonio
Brufau, da Repsol, Cesar Alierta, da Telefónica e oportunistas como
Gregorio Marin Preciado – alguns deles hoje investigados por sonegação
de impostos e lavagem de dinheiro - contaram com a abjeta e interessada
cumplicidade dos colaboracionistas de sempre para o desmonte,
esquartejamento e desnacionalização do patrimônio nacional e dos nossos
ativos estratégicos.
No
Brasil, está provado, hoje, que os excitados seguidores do Consenso de
Washington gastaram mais dinheiro (engordando as galinhas para a entrega
às raposas durante a “preparação” das estatais para a privatização) do
que arrecadaram, para o Tesouro, com os leilões dessas privatizações.
Alegou-se à época, que seria abatida a dívida pública, mas a relação
dívida/PIB praticamente dobrou em oito anos. Foi dito que o preço das
tarifas ia diminuir para o consumidor, mas em telefonia ou banda larga,
por exemplo, pagamos, segundo instituições internacionais, as mais altas
faturas do mundo. Isso sem falar, em primeiro lugar, da péssima
qualidade dos serviços - que já levou à proibição da venda do Speedy da
Telefónica em São Paulo durante algum tempo.
Quem
quiser confirmar o extravagante e nocivo conteúdo da Lei Geral de
Telecomunicações - aprovada no governo FHC e voltada para penalizar o
tempo todo o consumidor - que se informe na ANATEL, ou tente resolver
algum problema – por telefone -com a sua operadora. A Lei prevê até
mesmo orelhões que não “precisam” completar chamadas interurbanas. E nem
é necessário falar da propalada universalidade de acesso à telefonia e à
internet. Quem mora no interior, que se habilite.
Outro
argumento da época era o da existência de “cabides de emprego” nas
estatais. Neste quesito, basta lembrar que Antonio Carlos Valente,
Presidente da Vivo no Brasil, foi um dos homens que comandou, desde o
início, a privatização da telefonia em nosso país, e um dos primeiros
conselheiros da ANATEL - criada justamente para fiscalizar seus futuros
patrões. E que o genro do Rei da Espanha - que, como entendido em
telecomunicações é um excelente jogador de polo - encontra-se “pendurado
no cabide” no Conselho da Telefónica do Brasil, ganhando, há muito
tempo, dezenas de milhares de euros por ano.
A
farra privada com as estatais foi tão grande, e os ganhos tão fartos,
que Francisco Luzón, o “executivo” do Santander que comandou o processo
de aquisição do BANESPA, aposentou-se há poucos meses, levando para
casa, como recompensa por seu trabalho na América Latina, uma
gratificação de 70 milhões de euros, ou a módica quantia de 175 milhões
de reais.
Na
telefonia, no petróleo, no sistema financeiro, a tática espanhola é
investir o mínimo e levar o máximo de lucro para a Europa. Se for
preciso colocar dinheiro, que outros o façam, como ocorreu com Santander
Brasil, que quando precisou levantou dinheiro no nosso próprio mercado
com uma OPA : e com a Repsol do Brasil que vendeu parte do capital para a
SINOPEC chinesa.
Precisou
de recursos para cumprir sua obrigação: investir em expansão da
infraestrutura, por exemplo? Pegue-se com o BNDES, a juros subsidiados,
como aconteceu como a Vivo no ano passado que recebeu do nosso principal
banco de fomento três bilhões de reais emprestados. Sem deixar, nem por
um momento, de enviar, para a matriz, suas remessas de lucro de bilhões
de euros por ano.
Pois
é, como dizem os italianos, tanto trovejou, que chove. A Argentina se
cansou do descaramento das empresas espanholas. Transformada - graças às
privatizações - de nação produtora em país importador de petróleo,
resolveu retomar o controle da YPF, Yacimientos Petroliferos Fiscales,
desnacionalizada no governo neoliberal de Carlos Saul Menem.
O
governo de Cristina Kirchner interveio na empresa na semana passada,
destituindo os “executivos” espanhóis da Repsol e trocou a segurança do
prédio. Os bons moços, como abutres, “secaram” os poços que encontraram
funcionando quando compraram a empresa, mandando os lucros para o
exterior, sem arriscar um centavo de peso para explorar novas reservas.
Com
um risco-país de quase 500 pontos, o povo espanhol se encontra acossado
pela desastrada situação em que o meteu a incompetência de sua elite
dirigente. Mesmo assim, a direita conseguiu se eleger, usando a
xenofobia para colocar a culpa não nos banqueiros, mas na imigração. E
trata de ir, agora, ainda mais fundo contra os cidadãos, retirando e
”flexibilizando” os direitos dos trabalhadores, na saúde, na educação e
no trabalho.
O
Governo do Primeiro-Ministro Mariano Rajoy - como o rato que ruge –
ameaçou agir com “contundência” e afirmou que a decisão da Presidente
Cristina Kirchner acarretará para a Argentina, “duras consequências”.
Como
a Itália, no caso Battisti, a Espanha pediu ajuda da Comunidade
Econômica Européia, que - com exceção de algumas declarações
protocolares – lavou as mãos e disse que não existem tratados que lhe
permitam interferir no assunto, que deve ser visto como uma questão
bilateral. A mídia ocidental exerceu - com alguns de seus representantes
locais - seu direito de espernear. Em visita ao Brasil, Hillary Clinton
afirmou que a Argentina deve "justificar e assumir sua decisão" e,
coerente com a cantilena - tão desfiada e tão praticada pelos EUA - de
defesa do "livre mercado, lembrou que em energia e commodities a
liberdade é o melhor modelo de concorrência e de acesso aos mercado.
A
Espanha, no entanto, ficou decepcionada. Seu Ministro de Relações
Exteriores disse que esperava mais de seu "aliado" norte-americano, ao
qual seu país tem sido tão subserviente nos últimos anos, participando,
entre outras coisas, de operações militares na Líbia e da guerra do
Afeganistão. E acabou reconhecendo o fato de que os Estados Unidos,
atualmente, "têm seus próprios interesses na Argentina."
Com
23% de desemprego, um alto déficit em suas contas públicas, que a UE já
reconheceu que o país não conseguirá diminuir antes de 2017; uma dívida
externa de 165% do PIB (a do Brasil, por exemplo, é de 13%); 80% de
dívida interna líquida (a do Brasil é de 39%) e cerca de 35 bilhões de
dólares em reservas internacionais (as do Brasil são de mais de 10 vezes
mais, ou 372 bilhões de dólares); o governo espanhol está aproveitando o
episódio da Repsol para tentar desviar a atenção da opinião pública da
crua realidade desses números.
Os
jornais tem apresentado, em seus editoriais, e na cobertura do fato, a
expropriação da empresa petrolífera como um insulto, uma traição à
Espanha. Assim como aconteceu no caso da adoção de medidas de
reciprocidade - para a entrada de cidadãos espanhóis no Brasil - por
parte das autoridades brasileiras, agora, na rede, grande número de
internautas espanhóis prega que as empresas espanholas demitam os seus
empregados argentinos na Espanha. Alguns, também a exemplo do conflito
diplomático com o Brasil, exigem que se promova a expulsão pura e
simples de todos os imigrantes argentinos que vivem naquele país,
esquecendo-se da solidariedade argentina no século XX, e do fato de que
mais espanhóis vivem hoje na Argentina, do que argentinos na terra de
Cervantes.
Em compensação, uma minoria se pergunta, ironicamente, quantos acionistas da Repsol há entre os que estão defendendo a empresa nos fórums dos jornais e nas redes sociais. Lembram que a Repsol, há muito, já não pertence ao povo ou a capitais majoritariamente espanhóis; que no seu capital há participação chinesa; de fundos de investimento dos Estados Unidos; e de "investidores" que enriqueceram, de forma suspeita, nos "anos dourados" da entrada da Espanha na UE - e que também são responsáveis pela crise em que se encontra mergulhado o país.
Em compensação, uma minoria se pergunta, ironicamente, quantos acionistas da Repsol há entre os que estão defendendo a empresa nos fórums dos jornais e nas redes sociais. Lembram que a Repsol, há muito, já não pertence ao povo ou a capitais majoritariamente espanhóis; que no seu capital há participação chinesa; de fundos de investimento dos Estados Unidos; e de "investidores" que enriqueceram, de forma suspeita, nos "anos dourados" da entrada da Espanha na UE - e que também são responsáveis pela crise em que se encontra mergulhado o país.
A
aparente indignação do governo espanhol, portanto, está dirigida não à
defesa dos interesses de sua nação ou do seu povo, mas de "investidores"
privados. Moral para questionar a decisão argentina, o Reino da Espanha
não tem. Sua constituição, no artigo 128, reza: "Toda a riqueza do país
em suas distintas formas e seja qual seja sua titularidade está
subordinada ao interesse geral. Se reconhece a iniciativa pública na
atividade econômica. Mediante a lei se poderá reservar ao setor público
recursos ou serviços essenciais, especialmente em caso de monopólio e,
assim mesmo, acertar a intervenção em empresas quando assim o exigir o
interesse geral."
Com
decrescente influência na América Latina, se é que teve alguma
influência genuína nas últimas décadas, a Espanha busca aliados aonde
pode. O Presidente Felipe Calderón - por isso censurado por deputados da
oposição - manifestou-se em Cartagena, na Cúpula das Américas, e no
"Fórum Mundial na América Latona, em Puerto Vallarta, onde recebeu o
Primeiro-Ministro espanhol, contra o "protecionismo e as
nacionalizações". No caso do "protecionismo" mandou um recado ao Brasil,
que exigiu a imposição de quotas para veículos "mexicanos", depois da
valorização do real com relação ao peso em 88% em dez anos, e também
depois que terceiros países passaram a mandar autopeças para juntá-las
no México para burlar as leis brasileiras e entrar em nosso mercado
automobilístico, que já é o quarto maior do mundo, sem pagar tarifas de
importação.
O alerta quanto à "nacionalizações estava dirigido à Argentina. A Pemex
mexicana possui quase dez por cento da Repsol, e, com figuras como
Carlos Slim, dono da America Móvil e homem mais rico do mundo - o México
foi o único país da América Latina, além do Chile, que se aproveitou
das privatizações na América do Sul, nos anos 90.
México
e Espanha precisam muito mais do exterior do que o Brasil, cuja
corrente de comércio não chega a 13% do PIB. O fato de depender em mais
de 90% do mercado norte-americano para suas exportações, e de ser um
país que, basicamente, "maquila" - devido aos seus baixos salários -
produtos destinados aos Estados Unidos, limita a possibilidade do México
de adotar, uma política de comércio exterior verdadeiramente
independente. E o mesmo acontece com a Espanha - que teve suas "notas"
novamente rebaixadas pelas agências classificadoras de risco esta semana
- que se submete, na economia e no comércio, às decisões e regras da
União Européia.
Fracassada
a tese da “ibero” América - a última cúpula “iberoamericana” realizada
no final do ano passado em Assunção, no Paraguay, brilhou pela ausência
de 16 dos 22 presidentes convidados, que deixaram plantados a ver navios
o rei Juan Carlos e Zapatero - a Espanha, junto com os Estados Unidos,
aposta, agora, na “Aliança do Pacífico”.
A
intenção é usar o México para cooptar governos de corte mais
neoliberal, como a Colômbia e o Chile, para se contrapor, junto com o
Peru, e observadores como Panamá e Costa Rica, ao processo de integração
continental capitaneado pelo Brasil, em organismos como o Mercosul, a
UNASUL e o Conselho de Defesa Sul-americano.
Este
último movimento da estratégia neocolonial parece, no entanto, também
estar condenado ao fracasso. O presidente peruano Omanta Humalla não
demonstra entusiasmo pela iniciativa, lançada pelo seu antecessor, Alan
Garcia, e já disse que não vai participar da primeira cúpula
presidencial do grupo, marcada para junho deste ano, em Santiago do
Chile.
Fonte: Blog do MAURO SANTAYANA
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