Assisti no cinema a uma propaganda que me deixou estupefata. O filme começa focando num homem mal encarado, com a barba por fazer e um gorro de lã enfiado na cabeça. Ele está numa rua escura e deserta onde, em seguida, aparece um carro dentro de uma bolha de ar. Tudo em animação. O carro passeia por locais absolutamente tenebrosos, mas no mundinho restrito onde ele está faz muito sol e pode-se ver o verde da grama. Fim da peça publicitária para vender a blindagem de veículos.
A mensagem transmitida? O mundo lá fora está de matar, mas você pode e deve se enfiar dentro de uma bolha – literalmente.
Fiquei impressionada com o que pregava a propaganda: a solução para um problema coletivo – a criminalidade – passaria por uma saída individual – a fuga. E salve-se quem puder!
Me lembrou um pouco os debates feitos durante o plebiscito do desarmamento, em 2005, em que a tônica era algo como “A violência está crescendo? Compre uma arma!”. E é claro que ninguém faria um anúncio assim se ele não surtisse efeito. Quando a propaganda acabou, um moço sentado na fileira de trás comentou alto: “se eu tivesse dinheiro, meu carro já estaria blindado”.
O fato é que a violência é uma preocupação central na vida dos brasileiros, como indicam pesquisas recentes, e vivemos uma época de total descrédito nas forças de segurança pública. Com a polícia considerada ineficiente, as classes média e alta, que podem pagar por um mecanismos privados de defesa, o fazem sem pestanejar. E mesmo em bairro mais periféricos de São Paulo, como o Campo Limpo ou o Lauzane Paulista, moradores se unem para remunerar guardinhas de rua que ficam sentados a noite inteira naquelas cabines improvisadas. Isso sem falar nos prédios, que mais parecem prisões domiciliares: guaritas, duas portas de entrada com uma espécie de cela no meio, câmeras e cercas elétricas.
Daí para uma propaganda que só faltou associar negro e pobre aos responsáveis pelo crime é um pulo.
Toda vez que me dou conta dessa realidade penso nos castelos medievais e como, cada vez mais, estamos vivendo em feudos (de classes), que só não terão o mesmo poder de isolamento dos séculos IX e X porque os meios de comunicação se desenvolveram a tal ponto que nos possibilitam interagir sem contato físico, via telas e janelas. Mas se olhamos para trás e denominamos a Idade Média “das trevas”, por que estaríamos trilhando o mesmo caminho novamente? Vamos reerguer muralhas no lugar de destruí-las? Tudo me parece tão absurdo quanto um avestruz enfiando a cabeça na terra para se esconder.
Escrito por Maíra Kubík Mano às 10h27Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil
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